segunda-feira, 5 de julho de 2010

Cinema

Toda vez que vou ao teatro, percebo o quão pouco eu frequento este tipo de espetáculo e penso que deveria mudar um pouco meu hábito neste sentido, já que todas as vezes eu saio da sala bem impressionado e satisfeito. Da última vez não foi diferente. Fui assistir, a convite da Danusa, uma peça chamada Cinema. Cinema porque este espatáculo foi baseado nas reações que os espectadores têm ao assistir os mais diversos filmes, seja em relação ao gênero ou mesmo o país de origem.

Ao entrar no teatro já me veio a primeira surpresa, o palco: era constituído apenas de cadeiras de cinemas, divididas em dois blocos por um corredor, como na maioria dos cinemas. Detalhe: as poltronas eram muito antigas, daquelas vermelhas e acolchoadas, com rasgos e imperfeições em algumas delas. É claro, elas estavam voltadas de modo que víamos os atores de frente.

Eu contei, eram 15 atores divididos quase (digo quase porque não tenho certeza, poderia ter usado igualmente) uniformemente entre homens e mulheres. Li na em uma sinopse na internet que eles foram rigorosamente selecionados dentre mais de mil concorrentes. Outra coisa interessante que li no site foi que a preparação para Cinema durou dois meses e que quase todo dia os atores assistiam àlgum filme e discutiam sobre o mesmo; também trocavam ideias de como o filme visto poderia influenciar no teatro preparado por eles. Assistiram Godard, Trouffau, filmes novos, antigos, raros, etc, tudo para maximizar o diálogo e criatividade. Deve ter ajudado muito mesmo, a peça é muito boa e original.

Logo nos primeiros minutos tive a impressão de que a peça seria monótoma. Os atores não fizeram muito além do que prestar atenção ao filme, quer dizer, ao som que o filme sem projeção estava emitindo, pois não havia tela no palco; se existisse ela estaria entre a platéia e os atores. Estava enganado, logo depois do meu pensamento errante, a ação roubou o lugar da mesmice.

Haviam casais presentes, solitários e até grupos de três ou quatro pessoas. O tempo foi passando e o estático cenário começou a se movimentar: um casal começou a se beijar fervorosamente, uma mulher começa a traduzir, simultaneamente e em voz alta, o diálogo em língua estrangeira do filme em movimento. Sem contar um personagem maníaco sexual, que fica, de tempos em tempos, circulando pelas fileiras atrás dos outros espectadores e, assim que passa atrás dos mesmos, se aproxima para abusar da vítima fazendo movimento sexuais. Alguns fingem que não sentem nada, outros ficam inconformados. A platéia acha graça.

Logo depois uma espectadora com encontro marcado chegou atrasado buscando seu par. Ao encontrá-lo, começaram a conversar. Eram amigos de escola que a muito tempo não se viam. Ela, muito bonita e atraente. Ele, empolgado com a beleza dela. alguns diálogos depois percebe-se que ela tem um tique muito esquisito de afinar a voz invonlutariamente no meio da frase, até da palavra, e logo depois voltar ao normal, como se nada anormal tivesse acontecido. Ele, agora assustado e frustrado, sai da sala envergonhado. Cenas como essa, bem interpretadas e hilárias, fizeram a plateia toda rir e tornaram Cinema uma peça descontraída.

Cinema é também um exercício de olhar e ser visto, perceber e analisar a expressão e reação de várias pessoas ao mesmo tempo em seus momentos de intimidades, momentos em que geralmente ninguém as observa. Um artifício interessante, que acontece bem no meio da peça, entre a mudança de um filme e outro, é a iluminação do palco e a paralisação dos atores, que passam a observar a platéia com olhares fixos, sérios. É a mudança da condição de observador para observado, ou vice e versa. Muito legal, alguns expectadores se sentiram tão incomodados que manifestaram através de comentários risonhos.

Preciso ir mais ao cinema. Quer dizer, ao teatro!

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