terça-feira, 20 de julho de 2010

Em Floripa: meu tio, o Diogo e expeculação imobiliária

Já fui a Florianópolis mil vezes e, diferente da maioria das pessoas, nunca me atraí muito por esta cidade. Acredito que em grande parte por ter passado algumas experiências sofriadas nas vezes em que estiva na alta temporada. O fato de não ser fã número um de praia também deve contar; 40 praias em uma única cidade não é um ponto positivo pra mim. Mas, como tenho bons amigos e um tio nesta cidade, costumo visitá-la frequentemente. E confesso, comecei a ver Floripa com outros olhos.

Os motivos da minha última ida à capital de Santa Cataria foram basicamente dois: aproveitar o finalzinho do meu Passaporte Azul para visitar meu amigo Diogo e meu tio Maurício e dar uma pesquisada em terrenos para venda no bairro do Rio Vermelho, para poder comparar com o preço que estavam ofertando para um terreno que meus pais haviam comprado há alguns anos.

E foi divertido, reservei um dos três dias que fiquei em Floripa, peguei o carro emprestado do meu tio e rumei pro norte da ilha. Visitei algumas imobiliárias e vi bastante terrenos, deu pra ter uma ideia boa. Na hora do almoço comi um peixe em um restaurante - recomendado por um dos guias - que estava sensacional!

Aproveitando que estava no Rio Vermelho, acabei indo dar uma olhada na antiga casa do meu tio. Na verdade a casa parece mesmo mais uma cabana, toda de madeira, simples e cercada por árvores e mata. Sempre adorei a toca do meu tio, muito tranquila e gostosa. Porém, ao chegar na antiga casa (agora ele está morando em um apartamento no centro da cidade, acho que já comentei sobre isso em outro post) a decepção foi muito grande. A casa, devido às chuvas de verão e abandono do meu tio, estava toda destruída e jogada às traças. Até pra chegar na frene da casa foi difícil, o mato estava tomando conta de tudo. Sem contar o antigo carro do meu tio, que, como a casa, também estava abandonado.

Não consigo entender tamanho desleixo e abandono, mas esse é meu tio. Diz ele que vai começar a voltar pro Rio Vermelho e reparar a casa, pago pra ver. O carro ele falou que vai colocar à venda, antes de derreter, eu espero. Ao visitar a casa, encontrei uma vizinha, amiga do meu tio, e fiquei conversando com ela, que se queixava que meu tio havia sumido e cortado o contato abruptamente. Deu-me um papel com seu telefone e quase implorou pra eu entregá-lo ao meu tio e pedir pra que ele ligasse pra ela. Foi engraçado, ao conversar com a mulher e escutá-la falar sobre meu tio, parecia que ia descobrindo pequenas coisas do passado de uma pessoa que conheço bem mas sempre descubro algo novo, sempre tem histórias que vão se revelando aos poucos, emergindo na superfície.

Falando nas histórias do meu tio, no primeiro dia, ao chegar em sua cidade, fomos para a padaria ao lado do seu apê e ficamos conversando e tomando chope. Não sei como o assunto chegou à tona, mas ele começou a contar uma bizarra história de uma prima dele e de minha mão que foi parar nos Estados Unidos. O motivo para tal peregrinação era bem obscuro, algo envolvendo bandidagem, extermínio da polícia e adoção.

Não me lembro muito bem dos detalhes, mas, mesmo se lembrasse, acho que não seria sensato e prudente expô-los aqui. O fato é que esta prima está hoje radicada no exterior e tem uma vida, a princípio, estavel e confortável. O segundo fato é que meu tio, há pouco, havia entrado em contato com ela após inúmeros anos, talvez décadas, de rompimento. Agora lembrei, foi por isso que chegamos nesse assunto.

Como comentei acima, aproveitei também e encontrei o Diogo e sua trupe, neste caso, seu irmão Tomaz e irmã Paula. Das últimas vezes que encontrei o Diogo, saímos todos juntos, eu, ele e seus irmãos; legal a união da família Santiago. Não me lembro muito bem mas acho que fomos em um bar que vende cerveja super barata perto da faculdade e outro dia em um restaurante e show de samba. É sempre muito legal e engraçado encontrar a peça rara do Diogo. E assim acabou a última viagem que fiz com o muito aproveitado Passaporte Azul.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Dois irmãos no 5o Festival Latino Americano de São Paulo

Dias atrás aconteceu aqui em São Paulo o 5o Festival Latino Americano de São Paulo. Uma pena que fiquei sabendo do evento quando o mesmo já havia começado e, por isso, só consegui ver a apenas um filme: Dois irmãos, filme argentino do diretor Daniel Burman. O filme se passa tanto em Buenos Aires como uma pequena e pacata cidade balneário do Uruguai em um vai-e-vem constante. As idas e vindas são causadas pela dificuldade dos dois irmãos - um homem e uma mulher, ambos já adentrando na terceira idade - em se relacionar após a morte da mãe.

Enquanto a irmã é esperta, calculista e má, o irmão é apenas pacato e condescendente. E é este exatamente o problema da relação dos dois após o falecimento da matriarca. O irmão, por imposição da irmã - uma fajuta corretora de imóveis que tenta enriquer à custa de golpes aplicados em outros vendedores - acaba sendo convencido a se mudar para uma casinha no Uruguai que a irmã comprou há tempos e ainda nem terminou de pagar.

À primeira vista, a pequena cidade uruguaia será de extrema dificuldade para o irmão se adaptar, ainda mais sendo acostumado com a cosmopolita Buenos Aires. Porém, assim que os quadros do filme vão passando, nos surprendemos ao constatar que o irmão começa a se engajar em um grupo de teatro e passa a desfrutar da nova morada. Isso enfurece a maligna irmã, que, mavada que é, tenta prejudiar o irmão, falando pro diretor da peça de teatro que ele não é bom ator e, pro irmão, que o diretor não gostou de sua atuação. É revoltante presenciar tamanha maldade da irmã, que sempre está causando o caos à sua volta. Mais para o final do filme, mesmo que mal explicado e insuficiente, podemos compreender o motivo de tanta revolta e malícia da irmã.

O filme é sutil ao mostrar o envolvimento que o irmão começa a ter com o diretor do teatro. Ambos conversam sempre sobre viagens e andanças na Europa que já fizeram, onde frequentaram ambientes e meios sociais requintados e cultos, como bares e teatros. Fica claro, mas não escancarado, que os dois são homossexuais e passam a ter atração mútua. Cenas que comprovem tal fato, porém, ficam apenas na imaginação dos espectadores.

A possibilidade de uma nova relação amorosa, agora do lado da irmã, que conhece um potencial par idoso em uma festa, também é a força motivadora para que algumas transformações, para melhor, começam a ocorrer na personagem. O desfecho do filme ocorre quando a peça de teatro em que o irmão estava ensaiando é finalmente inaugurada, com uma ótima atuação de improvismo do ator. No final da peça, o ápice da atuação do irmão, a irmã chega ao teatro e presencia seu grandioso talento artístico. É um grande clichê, mas pelo menos um clichê bonito, que comove.

Quando os irmãos passam a se dar melhor, não é mais necessário as incontáveis travessias marinhas em que eles se submeteram após a morte da mãe. Logo depois do filme, ao folhear o catálogo do festival, vi que o Daniel Burman também dirigiu O Abraço Partido, outro filme muito bom que assisti há muito tempo no Cine Cultura em Campo Grande. Sem contar a trilha sonora de Dois Irmãos, maravilhosa e empolgante.

Recife, Olinda e Porto de Galinhas

Recife é a capital da cultura, pelo menos do Nordeste. Fiquei impressionado como esta cidade possui um movimento artístico e cultural tão efervescente. Não é para menos, o que podíamos imaginar do reduto de onde o mestre Chico Science, um dos idealizadores do movimento Mangue Beat, fez sua voz aparecer para todo o Brasil e o mundo? E não e só por causa da música que escrevo essas linhas. Recife é cheia de exposições, esculturas - muitas delas do Brennand, consagrado artista que cria sua arte com grande influência onírica - e atrações.

Como em todas outras viagens que realizem com meu Passaporte Azul, arrumei lugar para me hospedar, desta vez na casa do Mauro e Flaviane, primos da minhã mãe. Sem contar as gêmeas, filhas deles que ficaram super animadas com a minha estada por lá. O dia em que cheguei, tarde da noite, elas já estavam dormindo. Ao acordar, elas vieram correndo para o meu quarta me abraçar e dar as boas vindas para o "primo"! A Flávia (ruiva) é esperta e arteira; já a Letícia (morena), calma e mais amorosa. Minha permanência de 5 dias na capital de Pernambuco se resumiu basicamente em passear durante o dia todo pela quente cidade e à noite brincar com as gêmeas e conversar com o Mauro e Flaviane.

O lado ruim de Recife é a violência, todo mundo que eu conversava me advertia sobre os riscos de andar pela cidade. Não aconteceu nenhum imprevisto, talvez porque fiquei sempre com um olho aberto e outro fechado. Como em Manaus, andei bastante de transporte público em cada canto da cidade. Transporte público em Recife se resumiu basicamente aos ônibus circulares, os coletivos de Chico.

Conheci vários lugares interessantes. No primeiro dia visitei o Marco Zero, ponto localizado no centrinho de Recife onde acontece shows e comemorações. Bem em frente do Marco, após um canal artificial, fica uma pequena ilha com várias esculturas do Brennand. Para chegar do outro lado utilizei o serviço de atravessador que vai remando até lá. Estive também no Paço Alfândega, um pequeno centro comercial restaurado e muito chique e, ao lado, logo depois, no prédio da Livraria Cultura, onde comprei o há muito tempo tão almejado livro do Marcos Correia Brito - Galiléia.

Outros lugares legais que conheci foram o Mercado Municipal, Pátio São Bento e Casa da Cultura, um antigo presídio que foi transformado em mercado de artesanato e bugigangas. O interessante: cada antiga sela se transformou em uma lojinha! Sem falar que o prédio é muito bonito por fora e fica bem em frente ao rio.

Um dos dias reservei para ir para o Instituto Ricardo Brennand e Oficina Brennand, por serem bem afastados da cidade. Para chegar precisei tomar dois ônibus e no final, um taxi. Não teve jeito. O Instituto é um castelo muito bacana com várias obras de arte e um jardim muito bonito. Dá pra ver como a família Brennand foi (acho que ainda é, na verdade) influente em Recife. Já a Oficina Brennand é o antro de exposição das obras do Ricardo Brennand, escultor reconhecido mundialmente. Como já comentei, suas esculturas e obras são muito malucas, mistura de animais com monstros, passáros estranhos, mastes, e por aí vai. O lugar é imenso e tem quase um milhão de obras do Brennand.

Aproveitei a chance de estar em Recife com bastante tempo e fui também para Olinda, onde passei a metade de um dia. Fui abordado por um guia local com a qualidade de insistência infina e convencido a fazer um passeio guiado pelo centro da cidade. Valeu a pena, ela foi contando sobre os prédios e história da cidade durante uma hora, tempo necessário para dar uma volta completa nos pontos principais. A vista que se tem do mar e Recife a partir de uma igreja - e não faltam igrejas em Olinda! - é espetacular.

Em Porto de Galinhas meu passeio se resumiu em ficar embaixo de um guarda-sol tomando cerveja e lendo o livro que havia comprado na Cultura. Comi também um peixe e não entrei no mar, pra variar! O livro é realmente muito bom, assim como a criativa capa, que foi o que me chamou a atenção quando o vi pela primeira vez. De volta em Recife, fui à noite com o Mauro e as gêmeas comer tapioca em um supermercado. Ficamos conversando bastante, voltamos para o apartamento e dormi um pouco antes de ir pro aeroporto e pegar o avião na madrugada. Cheguei em Indaiatuba bem cedinho, descansei e acordei pouco antes do almoço para ajudar na arrumação do churrasco que ia fazer. Era meu aniversário, ia me divertir pra caramba ainda!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ansiedade

Sou ansioso, sempre soube disso. Ultimamente até comecei a tomar um medicamento para combater esta anomalia comportamental, mas parece que às vezes a genética fala mais alto. Afinal, sou filho do meu pai, sobrinho do meu tio e neto da minha avó materna, todos bastante ansiosos. E esses dias não deu, a ansiedade me corroeu por dentro por alguns minutos intermináveis. Uma ocasião besta, mas a ansiedade é assim, quando se manifesta, é difícil controlar.

O dia começou calmo. Estava no trabalho e às 10 da manhã, a convite do Fernando, colega de trabalho, participaria de uma reunião com um auditor que já conhecida, interessado em juntar esforços da instituição em que trabalha com a nossa para realizar um seminário sobre um assunto qualquer. O auditor é uma peça-rara, eu já havia me encontrado com ele uma única vez, o suficiente pra perceber seu estilo único de jesticular e falar. Talvez um pouco por não ser brasileiro, mas sim de um país da América Central. Como diriam os próprios falantes da língua espanhola, um tipo raro.

Eu gosto de reuniões de trabalho, elas quebram o clima do trabalho em frente ao computador e é sempre muito bom conversar com pessoas pra saber o que se passa em outras esferas profissionais. Geralmente elas duram uma hora e podem ser das mais variadas possíveis. Algumas são interessantes, outras já sabe-se desde o começo que não acontecerá nada de relevante, outras surpreendem. Existem pessoas mal-educadas em reuniões, pessoas simpáticas; alguns falam bastante, outros querem basicamente ouvir.

A reunião com o auditor, apesar de ter começado meia hora atrasada - problemas com o trânsito, ele justificou - trascorreu muito bem. O Fernando, porém, já havia me falado que não estava esperando nada de interessante. Dava mesmo pra perceber, enquando o auditor falava, um pouco animado, ele ficava desenhando quadrados e retângulos na beira de seu caderno de anotações. Não precisava disso, mostrar desinteresse de forma tão clara; forçou a barra, o Fernando.

No final das contas o Fernando teve que sair mais cedo por conta de outro compromisso e eu fiquei batendo um papo com o auditor, que ainda tinha algumas coisas a falar comigo. Quando eu achei que a reunião seria terminada, ele falou que iria ao banheiro e continuaríamos depois. Sem problemas, pensei. Mostrei à ele o caminho para o banheiro e fiquei aguardando na sala. Estava bem, a ansiedade nem demonstrava o mínimo sinal. Ele voltou, conversamos mais alguns minutos e deu a hora de ir embora, o horário de almoço estava se aproximando e meu estômago roncando. Porém, na hora de ir embora percebi que ele não queria realmente ir embora. Queria conhecer os outros escritórios do mesmo andar, todos vinculados de alguma maneira com a Alemanha: câmara de comércio, instituições de pesquisa, escritórios de turismo, banco (onde trabalho), etc.

Disse a ele que não conhecia muito bem o andar em que trabalho e acabei mostrando pra ele a sala de uma instituição de pesquisa e ciência, ao lado do escritório onde trabalho. Somente uma mulher estava trabalhando. Apresentei-os e começamos os três a conversar. Ele queria saber o que exatamente eles faziam, ela começou a explicar. Pelo sotaque, era alemã, como muitos do 3o andar. Já no início da conversa, a ansiedade começou a me atrapalhar, ficava mudando o pé de apoio toda hora, estávamos os três conversando em pé. E ele não parava de fazer perguntas; ela dava corda. De poucos em poucos minutos eu tirava o celular do bolso pra checar que horas eram, mas não estava interessado no horário em si, era automático. Quando a conversa chegava ao fim, o auditor arrumava outro assunto e o diálogo ganhava força de novo. Uma hora quase fomos embora, já estávamos nos despedindo, quando ele perguntou de onde ela era. Ao falar que era alemã, ele puxou papo em alemão, eu nao podia acreditar! O auditor havia morado muitos anos na Alemanha, começaram a falar da diferença de se morar no Brasil e na Alemanha, o clima, as pessoas, infra-estrutura, todas as diferenças que quem já passou pelo menos um dia em cada país está careca de saber. No verão era muito bom, eu sempre fazia churrasco com meus amigos, dizia o auditor. Enquanto isso a alemã falava do tempo gasto em São Paulo para se deslocar da casa ao trabalho. As pessoas, porém, eram mais amigáveis no Brasil. De vez em quando eu concordava com a cabeça e falava alguma coisa, não queria passar por chato e ficar como uma estátua no meio dos dois. Na verdade eu só queria sair de lá bem rápido, os dois já haviam conversado bastante. O papo vai acabando, mas o auditor recomeça: uma vez decidi viajar de carro com um amigo para o mar, fomos de última hora, logo depois voltamos. Percebi que até a alemã já estava ficando um pouco sem graça. Tinha notado também que o auditor queria algo mais e logo confirmei minha teoria: ele, antes de começar a trabalhar como auditor, se dedicou à ciência em algumas instituições na Alemanha. Havia entrado pro mundo das auditorias por acaso, o que gostava mesmo era de pesquisar. Nós não estávamos naquela sala por acaso. Não era à toa que ele encompridava o papo com a garota do escritório de pesquisa. Quando realmente não havia mais o que encompridar, finalmente nos despedimos.

Como sempre quando uma reunião acaba, levei o convidado até a porta de saída. As palavras de despedida são sempre as mesmas: obrigado por ter vindo, a gente vai mantendo contato, bom final de semana ou uma boa semana ainda, etc. Quando voltei para o escritório, estavam quase todos de saída para o almoço. Incrivelmente, em poucos segundos, minha ansiedade havia se dissipado, não havia nenhum traço sequer do anterior sentimento atordoante. Era hora do almoço, estava feliz, estava tranquilo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

PNRS

Há mais de 20 anos sendo tramitada no congresso brasileiro, a lei que tenta instaurar a Política Nacional de Resíduos Sólidos finalmente obteve um avanço significativo. Há poucos dias ela começou a ser analisada no Senado e, caso venha a ser aprovada, aumentaria muito sua chance se realmente ser instituída, com o intuito de organizar a questão da gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

Apesar de muita discussão e divergência entre especialistas, políticos e empresários, existe um consenso: os benefícios para a sociedade com a aprovação da lei que regulamenta o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil seriam imensos. Primeiramente, a PNRS permitiria que todos estados e municípios se enquadrassem em um esquema único, o federal, acabando assim com disparidades e anomalias legislativas entre diferentes regiões brasileiras. Outra grande consequência postiva seria o incentivo à reciclagem e, consequentemente, a redução do desperdício de matérias-prima recicláveis ou energia.

O texto tem como preceitos básicos a criação de condições necessárias para a instituição da prática de logística reversa para os fabricantes, importadores e distribuidores responsáveis pela geração de resíduos. Isto é, obrigatoriedade ou incentivo para que os resíduos produzidos ou comercializados sejam coletados e reprocessados. Esta prática, comum em países desenvolvidos, permite um duplo ganho: desafogamento dos já esgotados aterros sanitários brasileiros e receitas com a reciclagem. Embalagens de agrotóxicos e óleos lubrificantes, pilhas e baterias, pneus, lâmpadas fluorescentes e produtos eletrônicos, assim como seus componentes, são os ítens que merecem destaque no desenvolvimento da engenharia reversa, de acordo com a nova lei em tramitação.

Muitos especialistas do setor estão comparando esta prática com o sistema de Imposto de Renda brasileiro, onde empresas seriam cadastradas e, anualmente, deveriam prestar contas a um orgão responsável pela fiscalização.

Caso implementada, a PNRS também ajudaria muito a consituir e normalizar a classe dos catadores de lixo, agentes da sociedade pouco valorizados em sua função importante na dinâmica do lixo. Seus salários são ainda baixíssimos, sem contar que muitas vezes não existe uma entidade de classe que os represente e revindique seus direitos. Além da componente ambiental, o lado social também seria trabalhado e estimulado com a nova lei.

Mesmo muito atrasada - se comparada com outros países que há anos possuem eficazes sistemas de gestão dos resíduos sólidos - a PNRS se faz cada dia mais necessária e urgente, visto a voraz sociedade de consumo existente atualmente. De 2008 a 2009, a geração de resíduos sólidos urbanos per capita no Brasil aumentou expressivamente em 6,6%. Para piorar, São Paulo, a cidade campeã geradora de lixo no Brasil, recicla apenas 1% de seu potencial.

As consequências da ingerência na gestão dos resíduos são facilmente perceptíveis: corpos d'água altamente poluídos e estrofizados, aumento de doenças e contaminações sofriadas pela população, custo cresente com a construção e operação de aterros sanitários para a deposição dos resíduos, assim como com o sistema de coleta. Sem contar com imensas quantidades de materiais que serviriam para a reciclagem, isto é, montes de dinheiro que são jogados no lixo.

O especialista em resíduos sólidos e reciclagem, Sabetai Calderoni, doutor em Ciências pela USP, comprovou em seu livro Os bilhões perdidos no lixo que, atráves de políticas públicas consistentes, educação da população e engajamento das indústrias, o péssimo quadro atual da gestão de resíduos poderia ser alterado, distribuindo ganhos para todas as esferas da população. Porém, ao contrário do que grande parte da sociedade pensa, os maiores ganhadores de um sistema de reciclagem bem implementado seriam as indústrias, e não as prefeituras ou governos. Isto porque a quantidade de recicláveis aproveitados pelas indústrias geram grandes economias de matéria primas e energia.

Só resta agora torcer para que a Política Nacional dos Resídos Sólidos seja de fato implementada e justamente utilizada. Como argumentado acima, os benefícios são imensuráveis, não há nada a perder!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Cinema

Toda vez que vou ao teatro, percebo o quão pouco eu frequento este tipo de espetáculo e penso que deveria mudar um pouco meu hábito neste sentido, já que todas as vezes eu saio da sala bem impressionado e satisfeito. Da última vez não foi diferente. Fui assistir, a convite da Danusa, uma peça chamada Cinema. Cinema porque este espatáculo foi baseado nas reações que os espectadores têm ao assistir os mais diversos filmes, seja em relação ao gênero ou mesmo o país de origem.

Ao entrar no teatro já me veio a primeira surpresa, o palco: era constituído apenas de cadeiras de cinemas, divididas em dois blocos por um corredor, como na maioria dos cinemas. Detalhe: as poltronas eram muito antigas, daquelas vermelhas e acolchoadas, com rasgos e imperfeições em algumas delas. É claro, elas estavam voltadas de modo que víamos os atores de frente.

Eu contei, eram 15 atores divididos quase (digo quase porque não tenho certeza, poderia ter usado igualmente) uniformemente entre homens e mulheres. Li na em uma sinopse na internet que eles foram rigorosamente selecionados dentre mais de mil concorrentes. Outra coisa interessante que li no site foi que a preparação para Cinema durou dois meses e que quase todo dia os atores assistiam àlgum filme e discutiam sobre o mesmo; também trocavam ideias de como o filme visto poderia influenciar no teatro preparado por eles. Assistiram Godard, Trouffau, filmes novos, antigos, raros, etc, tudo para maximizar o diálogo e criatividade. Deve ter ajudado muito mesmo, a peça é muito boa e original.

Logo nos primeiros minutos tive a impressão de que a peça seria monótoma. Os atores não fizeram muito além do que prestar atenção ao filme, quer dizer, ao som que o filme sem projeção estava emitindo, pois não havia tela no palco; se existisse ela estaria entre a platéia e os atores. Estava enganado, logo depois do meu pensamento errante, a ação roubou o lugar da mesmice.

Haviam casais presentes, solitários e até grupos de três ou quatro pessoas. O tempo foi passando e o estático cenário começou a se movimentar: um casal começou a se beijar fervorosamente, uma mulher começa a traduzir, simultaneamente e em voz alta, o diálogo em língua estrangeira do filme em movimento. Sem contar um personagem maníaco sexual, que fica, de tempos em tempos, circulando pelas fileiras atrás dos outros espectadores e, assim que passa atrás dos mesmos, se aproxima para abusar da vítima fazendo movimento sexuais. Alguns fingem que não sentem nada, outros ficam inconformados. A platéia acha graça.

Logo depois uma espectadora com encontro marcado chegou atrasado buscando seu par. Ao encontrá-lo, começaram a conversar. Eram amigos de escola que a muito tempo não se viam. Ela, muito bonita e atraente. Ele, empolgado com a beleza dela. alguns diálogos depois percebe-se que ela tem um tique muito esquisito de afinar a voz invonlutariamente no meio da frase, até da palavra, e logo depois voltar ao normal, como se nada anormal tivesse acontecido. Ele, agora assustado e frustrado, sai da sala envergonhado. Cenas como essa, bem interpretadas e hilárias, fizeram a plateia toda rir e tornaram Cinema uma peça descontraída.

Cinema é também um exercício de olhar e ser visto, perceber e analisar a expressão e reação de várias pessoas ao mesmo tempo em seus momentos de intimidades, momentos em que geralmente ninguém as observa. Um artifício interessante, que acontece bem no meio da peça, entre a mudança de um filme e outro, é a iluminação do palco e a paralisação dos atores, que passam a observar a platéia com olhares fixos, sérios. É a mudança da condição de observador para observado, ou vice e versa. Muito legal, alguns expectadores se sentiram tão incomodados que manifestaram através de comentários risonhos.

Preciso ir mais ao cinema. Quer dizer, ao teatro!