terça-feira, 7 de setembro de 2010

O paraíso na outra esquina

Já tinha o Mario Vargas Llosa em alta conta e, agora que li O paraíso em outra esquina, passo a apreciar ainda mais o escritor peruano e sua obra. Não é para menos, este livro, que narra a vida errante do pintor Paul Gauguin e sua avó, a ativista e feminista Flora Tristan, é excepcional. Uma das coisas que mais me impressionou no romance é o detalhe dos acontecimentos que marcaram a vida da avó e do neto, como se o escritor tivesse vivido ao lado das duas figuras.

De forma intercalada, o livro vai narrando a vida de cada um, tendo como ponto de partida da avó sua viagem que realizou no final de sua vida com o intuito de consientizar os abusos sofridos pela classe operária e a submissão das mulheres. Flora classificava o casamento como um regime de escravidão, onde as mulheres se tornavam meras submissas, sem nenhum poder de voto ou participação real no casamento. Sua sofrida viagem por várias cidades francesas demonstram as barreiras enfrentadas pela idealizadora como a igreja, burguesia e, algumas vezes, até mesmo pela própria classe que ela tentava salvar.

Já no plano do pintor, a narrativa começa quando o mesmo decide morar na Polinésia Francesa em busca de paz e distanciamento da cultura europeia, que ele considerava uma péssima intervenção na produção de qualquer artista. Na cabeça de Gauguin, era no contato com o selvagem e com a natureza em sua forma primoridial que permitiria seus fluidos artísticos inundarem seu corpo. O desenrolar da história de Paul é marcado por deslocamentos cada vez mais longínquos e, entre eles, algumas breves visitas à França. Porém, como desejado pelo artista, o fim de sua história se dá em uma ilha na Polinésia, onde passou por maus bocados antes de falecer.

Apesar de na maioria das vezes a narração se desenvolver intercaladamente e de maneira temporal, alguns flash-backs são misturados abruptamente no texto. Vargas Llosa descreve o traumático casamento que Flora teve antes de abandonar o marido para ir visitar parentes da aristocracia de Lima, no Peru. Tal casamento e, posteriormente, o contato com seus familiares na América do Sul, fizeram com que o sentimento de desigualdade se aflorasse em Flora e fizesse com que ela lutasse por seus ideias. No passado do pintor descobrimos sua péssima relação com a mulher e seus cinco filhos; sua antiga profissão, um abilidoso funcionário do mercado financeiro francês; e o motivo que fez com que ele desse uma radical guinada em sua vida: a pintura.

Apesar de dar a ideia que no decorrer do livro a vida da avó e do neto se intercalariam, pouco se fala de um nas páginas do outro; os dois tiveram muito pouco contato entre si, se é que tiveram. É interessante também observar como a vida levada por Gauguin ia exatamente de encontro ao que a avó pregava: em todo ponto onde o pintor parava, procurava logo no começo uma mulher fácil para ser sua companheira e lhe prover prazer, mesmo que isso implicasse em uma relação submissa ou humilhante para a fêmea.

O encontro que Gauguin teve com Van Gogh, no livro chamado de O Holandês Louco, é outro ponto alto da narrativa. Após muito insistência do pintor holandês, Paul decide ir passar uma temporada na cidade vizinha de Paris onde Van Gogh mantinha seu ateliê. Porém, pouco tempo após o convívio dos dois, a relação se deteriora completamente e Paul decide abandonar o amigo, que fica deprimido com a reação. Foi exatamente nesta época que o Holandês Louco, cheio de aflito e amargura insolúveis, resolve cortar sua própria orelha.

A primeira vez que me deparei com a existência de Gauguin foi ao visitar uma galeria em Londres, onde um quadro seu estava pendurado. O obra de arte retratava uma onça escondida entre arbustos, imagem destoante de suas vizinhas que me chamou a atenção. A legenda dizia que o pintor decidira se refugiar em locais ermos onde seu dia a dia selvagem dava inspiração para suas obras. Como gostaria de poder voltar nesta galeria e observar sua obra, agora que sei muito mais sobre sua incrível história.

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