Recomendado por dois amigos, Presunto e Kenny, li o ótimo 3000 Dias no Bunker, de Guilherme Fiuza. O autor narra, de maneira eletrizante e dinâmica, a história da criação do Plano Real, responsável por reduzir a inflação do Brasil a patamares muito baixos. E vai além da criação, acompanhando a história deste plano ousado 10 anos depois de sua implementação, os três mil dias do título.
A história começa quando Fernando Henrique torna-se ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco. Diferente do que eu pensava, o Plano Real começou a ser desenvolvido antes mesmo de FHC virar presidente. Para tirar a ideia do papel e implementá-la no mundo real, o antigo presidente contou com o apoio, principalmente, de dois economistas: Pedro Malan, na época ministro da Fazenda, e Gustavo Franco, que chegou a ser presidente do Banco Central.
Segundo o livro, se uma pessoa foi essencial para a criação e sustentação da nova moeda brasileira, essa pessoa só pode ser Gustavo Franco. Caráter central do bunker, Gustavo foi recomendado por Pedro Malan e convidado por FHC para tocar o audacioso plano da estabilização da inflação. Pouco antes de integrar a restrita equipe de economistas, Gustavo tinha acabado seu doutorado nos Estados Unidos. O tema: políticas de redução de inflação. O convite não poderia ter vindo em melhor hora.
Porém, uma coisa é estudar e encontrar a solução nos papéis; outra é achar o X da equação na vida real, ainda mais em um país como o Brasil pré-Plano Real, onde os juros haviam deixado o país de ponta cabeça. O tripé do Plano Real consistiu em reduzir os gastos do governo, âncora cambial e criação de nova moeda, para acabar com o estígma do aumento de preços. E como o Brasil gastava! O livro narra que vários bancos do estado funcionavam como ralos de dinheiro, que puxavam recursos da esfera federal para aumentar o orçamento dos estados. Muitas empresas estatais que não saíam do vermelho também foram privatizadas, apesar das críticas sofridas pelo governo.
A âncora cambial teve o objetivo de forçar a valorização do Real frente ao dólar, para que os brasileiros passassem a importar mais e, assim, diminuir a demanda por produtos nacionais, reduzindo a inflação. Logo após o Plano Real ter sido implementado, Gustavo Franco virou o herói do país. Era reconhecido até no avião por aeromoças e outros viajantes, que lhe davam parabéns e até pediam autógrafos. O plano estava dando certo. A vida dos brasileiros havia ficado muito mais estável.
Nem tudo são flores. Crise asiática, mexicana, apagão, desconfiança dos brasileiros e investidores, o Brasil passou por várias instabilidades que balançaram a credibilidade do Real. E a equipe do Bunker sofreu. Quando investidores começaram a tirar o dinheiro do Brasil, temendo que o país não estava tão seguro e sólido, o Banco Central decidiu elevar drasticamente os juros, para que o investimento no país passasse a ser mais atrativo. Essa manobra é muito criticada até hoje, alguns consideram que ela foi responsável por quase quebrar o Brasil.
Foi interessante ler este livro agora, já que comecei uma pós-graduação em finanças e estou estudando economia. Na última aula, o professor comentou brevemente sobre o Plano Real. Porém, de maneira não muito entusiástica. Ele argumentou que o Brasil não foi radical o suficiente para cortar os gastos mais incisivamente para acabar de vez com a inflação, e que o Plano se baseou basicamente na âncora cambial. A âncora fez com que a conta corrente brasileira se deteriorasse, já que as pessoas passaram a importar muito mais. Segundo o professor, o radical aumento dos juros se fez necessário para cobrir o rombo que ficava cada vez maior.
Outro ponto comum do professor de economia com o livro de Guilherme Fiuza é o constante atrito e divergências entre economistas ditos desenvolvimentistas e ortodoxos, sendo a pricipal corrente dos primeiros a UNICAMP em Campinas e do segundo grupo a PUC-Rio. A equipe que bolou e implementou o plano real, assim como o professor da pós, são os ortodoxos, que acreditam na liberalização da economia e pouca intervenção do Estado. Já os desenvolvimentistas, tendo como o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, um grande exemplo, se baseiam no protecionismo do estado, subsídios para produtores e exportadores, etc.
Apesar de muitas críticas ao Plano Real, uma delas as inúmeras referências de Lula sobre a "herança maldita" deixada por FHC, uma coisa é consenso: o Brasil se tornou muito mais estável depois da criação do Real. Temos hoje uma moeda que, apesar da recente projeção de alta da inflação, vivemos com muito mais segurança econômia e bem-estar, nada comparado ao tempo de turbulências quando a inflação chegou a bater quase 100% ao mês. Coisa de doido.
Como comentei acima, o texto de Fiuza é muito saboroso e ágil, algo que se fosse escrito de outra maneira, poderia perder seu encanto. Quando estava lendo o livro, achei a narrativa, investigativa e cheia de detalhes, bem parecida com várias reportagens que leio na revista piauí. Depois descobri, o Guilherme Fiuza é um dos jornalistas da revista! Fiquei sabendo que ele escreveu também Meu nome não é Johnny e a biografia do Bussunda. Apesar de serem temas bem variados, tenho certeza que esses dois outros livros também vão valer a pena.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
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Eu não recomendei o livro, e sim o autor, pois lia a biografia do Bussunda.
ResponderExcluirA dica é mesmo do Amaral!