Fugindo de sua constante de produzir romances, todos entre cem e duzentas e poucas páginas e bem intercalados temporalmente, Milton Hatoum escreveu por último um ótimo livro de contos, A cidade ilhada. Escritor manauara de origem libanesa, Hatoum deixa sua ascendência e impressões da civilização na selva influenciar todas suas histórias. Outra característica marcante de seus livros é a difícil relação que se pode dar entre pai e filho, presentes exacerbadamente em Cinzas do Norte e Orfãos do Edorado.
Tomei conhecimento deste magnífico escritor através de um amigo, que, na época, estava prestando vestibular e me recomendeu Dois irmãos, que cairia na prova. Ao me contar os acontecimentos e artifícios utilizados pelo escritor, achei interessante e acabei comprando uma edição de bolso deste livro. Nesta obra, todas suas características básicas estão presentes: a dificuldade do relacionamento familiar, raízes orientais, vida na Amazônia etc. Sem falar no final surpreendente e dúbio, que deixa o leitor intrigado. Acredito que esta é a obra mais completa do escritor e foi aí que comecei a admirar seus livros e originalidade.
Os relatos de A cidade ilhada são diversificados, excetuando a correspondência, física ou histórica, com Manaus e região. Em um conto, adolescentes resolvem, após duradouros momentos de ansiedade e impaciência, ir a um bordel em busca de novas experiências; o final, surpreendente e cômico. Em outra estória, o amor platônico entre dois jovens vizinhos que não possuem contato algum, seguido de uma repentina mudança de uma das famílias, de origem inglesa.
O fascínio também é tema dos contos de Hatoum. Em um, um renomado pesquisador japonês desenvolve um laço profundo com a região da Amazônia; em outro, é a vez de um morador da região expressar sua admiração pela França e língua francesa a um de seus pupilos, prester a conhecer o país que o admirador nunca teva a oportunidade.
Porém, um dos contos mais marcantes se intitula O adeus do comandante. Marca do escritor em seus contos, ele começa com algum personagem relatando um acontecimento, que é o próprio conto em si. Neste caso, um comandante de barco que, no meio de sua travessia, com os passageiros a bordo, abandona o barco em um ponto do percurso, para vingar uma traição com sua mulher. É explicado então, finalmente, o propósito do caixão que estava sendo transportado no barco e que assustava os passageiros, gerando especulações das mais diversas. Para mim, este é um ótimo exemplo de como o sentimento de desespero e intriga dos personagens são bem detalhados, mas também um fascinante desenrolar da narrativa em si.
Após ter lido todos seus livros publicados, que ainda não são muitos, confesso que só não gostei muito de um só, sua primeira obra: Relato de um certo Oriente. Achei a trama complexa demais a ponto de não entender certos detalhes e relações. Talvez porque na época da leitura o ambiente não me ajudou: estava na sala de aula da faculdade, desanimado com o curso, no meio do barulho infernal dos meus amigos, também desanimados, mas com a prosa em vez da leitura como refúgio.
Só me resta agora aguardar o lançamento da próxima obra de arte do Milton Hatoum. Pelo menos existe, como remédio, a opção de ler suas crônicas no Estadão a cada quinza dias, às sextas-feiras. Sempre o faço após terminar o trabalho, um pouco antes de deixar o escritório e ir para casa. É um ótimo começo para o meu final de semana.
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