terça-feira, 18 de agosto de 2009

O Mundo é Plano: belos exemplos e a hipocrisia de Tom

Há mais ou menos dois anos meu irmão, recomendado por um professor do cursinho, comprou dois espessos livros que contavam a história da humanidade: Era dos Extremos e O Mundo é Plano. O primeiro, do escritor Eric Hobsbawm, discorre sobre a história do século XX, começando com a Primeira Guerra Mundial e progredindo lentamente até a queda do muro de Berlin, precedendo a falência da União Soviética. Já o livro de Thomas Friedman, relata um fenômeno mais recente e impactante nos dias atuais, a globalização, que nada mais é do que, nas palavras do autor, o achatamento e, consequentemente, planificação do mundo. É deste livro que vou falar aqui.

Uma coisa não se pode dizer a respeito do Mundo é Plano: falta de pesquisa ou coleta de dados para a concepção deste livro. O escritor entrevistou
inúmeras pessoas, viajou para diversos países, leu sobre temas relevantes à sua pesquisa, conheceu empresas e seus empreendedores, tudo isso mencionado no decorrer do livro. Suas visitas a empresas de outsourcing indianas contribuíram para que o escritor entendesse e passasse para o leitor como que a globalização está modificando as relações do nosso cotidiano. Porém, o excesso de exemplos indianos, mesmo que surpreendentes, e a lógica simplista ao lidar com terrorismo e comportamento dos países árabes, faz com que o livro perca bastante de seu brilho e destaque.

Dentre os exemplos citados, me recordo de alguns deles, os mais marcantes e incomuns. Um deles é a história de uma mineradora falida no Canadá que foi comprada por um empresário, e para que a mesma saísse dos números vermelhos,
foi lançado um desafio mundial através da internet com uma ótima recompensa aos ganhadores. Como o maior problema da mineradora era saber a localização exata dos minérios, o desafio consistia em disponibilizar aos interessados (empresas ou pesquisadores) todos os mapas e dados geológicos da mineradora para que palpites da localização dos pacotes de minérios fossem dados. Através de softwares que utilizavam modelos 3-D , uma empresa australiana de consultoria em geologia acertou em cheio e levou pra casa uma quantia enorme de dinheiro. Este exemplo provou que era possível utilizar meios de comunicação como a internet para que melhores resultados fossem obtidos. A grandiosidade deste ato é ainda maior quando lembrado que o ramo da mineração é muito fechado e conservador, e esta experiência esbanjou em inovação e criatividade.

Já o Wall Mart, maior rede de varejo do mundo, usou também a disponibilidade de novas tecnologias para a introdução do método Just in Time em sua cadeia de suprimentos, reduzindo assim drasticamente o custo dos transportes e operações. Com um rastreamento eficaz, era possível saber que uma mercadoria havia sido comprada logo após o pagamento da mesma. O sistema mandava então uma mensagem ao centro de distribuição mais próximo para que o produto fosse reposto imediatamente. Essa ferramenta possibilitou também analisar e classificar as preferências dos clientes e antecipar futuras demandas, visto que todo produto comprado e suas especificações como marca, cor ou tamanho, era registrado no sistema da cadeia de suprimentos.

Foi interessante ler o livro e ver que alguns relatos, na época em que foram escritos, não passavam de esboços ou início do desenvolvimento de algum produto ou serviço. Foram os casos do Google Earth e da montadora indiana Tata. O Google havia na época acabado de comprar uma empresa de imagens de satélites e os engenheiros da Tata lutavam para desenvolver uma liga de aço apropriada para ser usada num carro com concepção de baixíssimo custo. Hoje, apenas alguns anos após esses registros, o carro super econômico da Tata já é uma realidade e sucesso e o Google Earth está
mais presente em nossas vidas cada dia que passa.

Entretanto, na hora de descrever sobre o meio ambiente e a dinâmica das guerras e redes de terrorismo no mundo globalizado, Tom peca devido seu reducionismo simplista e argumentação hipócrita, sem contar que apóia a invasão do Iraque pelas tropas americanas. Ao citar uma de suas teorias, a de que bem estruturadas e desenvolvidas cadeias de suprimentos entre países poderiam frear a eclosão de uma guerra, por causa da importância comercial entre estes países, o escritor sequer menciona que com ou sem cadeia de suprimento, seu país já começou muitas das principais guerras e conflitos da história. É como se não existisse tropas no Iraque e Afeganistão, impossível não atentar a um fato destas proporções, revelando assim mais um exemplo do americano pós 11 de setembro com orgulho ferido.

O erro está em considerar todos os ataques terroristas como atrocidades ou barbáries (concordo plenamente!) sem se perguntar o real motivo de suas causas. Na verdade, o motivo colocado por Friedman é que a inveja da prosperidade dos países ricos, aliada com o sistema repressor em que muitos dos terroristas e homens-bomba vivem, acabam por gerar este comportamento radical. Será que ele não tem conhecimento das atrocidades e manipulações que seu governo já cometeu em vários países por causa de interesses específicos? Tal comportamento não alimenta também o ódio de muitos oprimidos? Benazir Bhutto, em seu livro Reconciliação, cita diversos exemplos da interesseira conduta que os EUA tomaram em relação a países árabes com o intuito de desestabilizar regimes, para que ganhassem presença e poder na região, porém afetando a vida de milhares de pessoas inocentes. É o caso do treinamento e distribuição de armas para os mujahideen quando da invasão russa no Afeganistão (por causa de interesses pessoais, é claro), que logo após se tornou uma ameaça aos próprios americanos que os treinaram.

Para não esquecer o tema meio ambiente, cada vez mais abordado devido à consciência da constante e progressiva degradação ambiental, Tom expressa suas sinceras preocupações com nosso planeta caso Índia e China continuem crescendo às taxas atuais. Realmente é um tópico que precisa ser abordado e discutido com cautela, mas por que ele não mencionou a contribuição de seu país - o maior poluidor do planeta e único desenvolvido que não assinou o protocolo de Kioto - para a deterioração das condições ambientais? Será que precisamos nos preocupar somente com os países em desenvolvimento? Difícil explicar tal conduta e falta de análise profunda sobre essa problemática.

Como o título já diz, este livro contém bons exemplos de globalização e como nossas vidas são modificadas com o desenvolvimento de novas tecnologias. O problema é que algumas vezes estes exemplos são repetitivos e poderiam sair mais do eixo Índa-China, tornando o texto mais dinâmico. Acredito também que a leitura seria mais prazerosa caso o livro fosse reduzido das aproximadamente 500 para apenas 300
páginas e o autor não ocultasse importantes acontecimentos em relação à política externa americana e sua conduta ambiental.



Nenhum comentário:

Postar um comentário